entrevista com Celso Woyciechowski, publicada na edição nº 426, maio de 2012. Jornal Mundo Jovem
Celso Woyciechowski presidente da Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul (CUT-RS) e dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação.
celso@sintaers.org.br
Buscar novas oportunidades de trabalho e de geração de renda sempre foi uma preocupação das pessoas. Mas essa tarefa cada vez menos cabe ao indivíduo e a seus familiares, pois é responsabilidade do poder público propor políticas de geração de emprego e de qualificação dos trabalhadores.
Nesta entrevista, Celso Woyciechowski nos auxilia a compreender a relação entre o desenvolvimento do país e as oportunidades de trabalho.
O crescimento do Brasil tem garantido mudanças nas oportunidades de trabalho?
É importante ressaltar que o Brasil, ao longo da sua história, teve momentos de crescimento importantes e momentos de crise. Da década de 1950 até o início da década de 1970, nós tivemos o chamado milagre brasileiro, quando se dizia que o Brasil cresceria 50 anos em cinco anos. Mas foi um crescimento absolutamente desequilibrado, ou seja, um crescimento que gerou uma enorme concentração de riquezas no nosso país e também uma grande dívida externa. E ao longo dos anos continuamos com esse modelo de crescimento concentrador de renda, que desequilibrou fortemente as questões sociais do nosso país. Porém, a partir dos anos 2000, tivemos um novo formato de desenvolvimento, que continuou e aprimorou o crescimento, mas desta vez um crescimento direcionado para o desenvolvimento. O país começou a oferecer maiores oportunidades de geração de trabalho e renda. Mas ainda temos o desafio de ajustar esse modelo de desenvolvimento. Não adianta crescer concentrando renda. Não adianta o crescimento de apenas um setor. Nós precisamos de um crescimento equilibrado, com sustentabilidade, que dê oportunidades aos jovens, às mulheres, aos negros; que olhe também para a agricultura familiar, como um dos grandes elementos estruturantes no processo de desenvolvimento, com distribuição de renda, com qualidade para todos na alimentação, na saúde, na educação. Desse quadro certamente ainda estamos longe.
Por que ainda estamos longe do desenvolvimento ideal?
Precisamos que o Estado passe do conceito de Estado mínimo para Estado indutor do desenvolvimento, indutor da economia, canalizador das potencialidades que nós temos. Porque quando o Estado é indutor, olha para o crescimento a partir de cada região do país. Isso garante o desenvolvimento amplo, incluindo pessoas, incluindo cadeias produtivas, incluindo alternativas, como a economia solidária, que é uma alternativa de renda e geração de trabalho que precisa de um olhar significativo de política pública para que se desencadeie mais rapidamente. Logicamente que no processo industrial também precisamos de uma nova política. Na década de 1960, a Revolução Industrial trouxe para o nosso país um potencial industrial bastante significativo, mas também concentrador, que trabalha muito fortemente na produção do automóvel, causando desequilíbrio ao meio ambiente e que prioriza algumas cadeias produtivas em detrimento de outras. É preciso, portanto, um olhar para um processo de desenvolvimento mais ajustado, que gere oportunidades com valorização do trabalho, com igualdade e inclusão de todos.
Como estão as oportunidades de trabalho nos municípios menores?
O país cresceu, e cresceu de uma forma desigual, inclusive regionalmente, fruto do processo de crescimento concentrador. Isso podemos observar com relação aos Estados com maior potencialidade e aos municípios grandes, que são polos industriais. Em contrapartida, há outras regiões com muita potencialidade e poucas oportunidades. Ainda temos a guerra fiscal, ou seja, sai ganhando o Estado ou o município que têm maior capacidade de atrair investimentos, às vezes de forma duvidosa, do incentivo fiscal. E isso produz o desequilíbrio no desenvolvimento. Favorece as regiões mais ricas, em detrimento de regiões com menor capacidade de geração de riquezas, o que não significa menor potencialidade. Nós precisamos de políticas públicas que rechacem a guerra fiscal. Não podemos continuar vulneráveis ao poder de grupos econômicos que disputam regiões pela sua capacidade de proporcionar desonerações fiscais.
Que valores devemos assegurar em um novo modelo de desenvolvimento?
Precisamos continuar nos desenvolvendo, mas com justiça social e preservação do meio ambiente. E aqui no Brasil nós precisamos de um novo modelo de desenvolvimento. Nesse modelo que vigorou até hoje há uma profunda lacuna, seja na questão ambiental, seja na questão de distribuição de renda. O novo modelo deve estar fundamentado na justiça social e na dignidade das pessoas. Precisamos também repensar a questão do consumismo. O modelo consumista induziu ao individualismo. Cada um tem que ter o seu bem individual e tem que ser protagonista apenas do seu próprio bem-estar. Mas precisamos levar em conta o bem-estar coletivo. Em vez de falar apenas em competitividade, precisamos incluir no diálogo a questão da cooperação. Vamos dialogar sobre o indivíduo, mas apostar na coletividade. Esses são alguns elementos que precisamos começar a estruturar no novo modelo de desenvolvimento.
O que dizer sobre oportunidades de trabalho e a formação dos trabalhadores?
No Brasil tivemos um período de hiato na qualificação profissional quando, em 1996, foi retirada a qualificação profissional do Ensino Médio, repassando essa responsabilidade para o sistema S (Sesc, Senai, Sesi etc.). Hoje nós estamos num patamar de dizer, por exemplo, que o Brasil não tem mão de obra qualificada para uma nova política industrial. Os setores responsáveis por qualificar os trabalhadores não fizeram a sua parte. O Estado não fez a sua parte. E outro elemento fundamental é que, ao mesmo tempo em que nós precisamos de qualificação dos trabalhadores, nós precisamos também oferecer empregos qualificados. Essa relação é absolutamente singular e significativa, porque o mercado de trabalho é altamente exigente, o modelo de produção é altamente exigente. Os trabalhadores precisam se qualificar e se requalificar, mas os empregos também precisam se adaptar a esta realidade, inclusive na remuneração. Talvez hoje o Brasil esteja perdendo muitos trabalhadores qualificados para outros países justamente porque não oferece condições de trabalho, não remunera à altura da qualificação do trabalhador.
Isso pode resultar em dependência tecnológica do país?
Vivemos hoje um processo de desindustrialização, ou seja, ao invés de sermos um país que pensa e que produz alta tecnologia, com um processo de desenvolvimento industrial altamente qualificado, nós estamos importando tecnologia, importando peças e apenas montando automóveis, elevadores, aparelhos de celular etc. Isso gera desqualificação profissional, gera um grau de exigência menor para o ensino em nossas universidades, menos produção tecnológica. Precisamos olhar para um novo modelo de produção tecnológica, mas que seja aprimorado aqui nosso país. Precisamos voltar a ter a indústria com matéria-prima brasileira, com mão de obra e tecnologia nacional. Esses elementos é que vão estruturando e fazendo com que o nosso país se desenvolva, forme novos profissionais, valorize os profissionais que se formam aqui. A qualificação profissional exige também emprego qualificado, e isso é fundamental para que se tenha melhoria na qualificação profissional e na autonomia do nosso país. E isso é responsabilidade do Estado, que, ao longo dos últimos anos, transferiu essa tarefa a outros. Quando o Estado deixa de ser o indutor do desenvolvimento, deixa de ser o agente na qualificação profissional, repassa para grupos econômicos, para setores que vão olhar para os interesses que não são os interesses do Estado como um todo.
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